domingo, 26 de julho de 2009

Rios dourados

Preguiçam barcos nos rios dourados como se as pontes existissem para sempre. Refazem-se horas de um tempo esquecido. Acreditamos ser nós, de novo, renascido corpo em invólucro azul. Rejeitamos os sinos que dizem notas dissonantes. Sabemos que voltarão a tocar quando a cidade nos embrulhar em dias sujos. Os invernos da alma dirão de nós mais que estes dias parados entre caminhos sem fim e muros brancos de sol reflectido. Levaremos lembranças vagas, diminutos refúgios de pequenas felicidades. A sobrevivência alimenta-se de efémeros reflexos de ouro.


foto de mariab

quinta-feira, 9 de julho de 2009

num dia estranho


num dia estranho
acordaram as folhas caídas
nos muros da cidade
onde escorre o inverno do teu medo
procuraste migalhas no avesso do corpo
restos de antigos banquetes
luzes sois vertigens de carrossel
todos os adornos do sonho
na mão aninhou-se a semente pequena
vinda do fundo de ti
gérmen plantado no frio do teu suor
no limite errante da cidade
aguardas a utópica planta
mãos abertas ao carinho da flor


foto de mariab


[a todos, boas férias!]

quarta-feira, 1 de julho de 2009

gavetas

acordo todos os dias virada para a cómoda castanha. quatro gavetas e puxadores dourados. não importa a data, a previsão meteorológica ou a minha vontade de começar o dia. à minha frente, a cómoda com puxadores já escuros, ouro a que o tempo retirou brilho. sei exactamente o que está dentro de cada gaveta. não acredito na possibilidade de algo me surpreender no espaço apertado de cada caixa rectangular. também sei qual a gaveta que vou abrir primeiro. ea que será a última. poderá acontecer algo de perverso se, um dia, mudar a ordem das gavetas. ou até a ordem pela qual as abro. poderá romper-se o equilíbrio precário do meu mundo de gavetas. posso acordar virada para uma parede branca ou uma janela rasgada. sem saber as consequências do meu acto de subversão, abro todos os dias as gavetas castanhas pela ordem certa.


mulher-gaveta, por Salvador Dali